terça-feira, 2 de outubro de 2012

O que está em jogo na disputa China-Japão

RAFAEL POCH*

O cerco militar à China está no centro do conflito entre Pequim e Tóquio pelas ilhas Diaoyu.
A disputa entre China e Japão pelas ilhotas Diaoyu/Senkaku não é um capricho escapista do governo chinês ante uma conjuntura, econômica e política complicada por um crescimento retardado, por escândalos como o do caído dirigente de Chongqing, Bo Xilai, e pela próxima mudança do grupo dirigente no XVIII Congresso do Partido. Tudo isso é real porém influi muito menos do que sugere a maioria das análises publicadas até agora. Se trata de outra coisa: da terceira Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, UNCLOS, por sua sigla em inglês.
Desequilíbrios de uma convenção
Este acordo atribui status de “zona econômica exclusiva” às zonas marítimas situadas entre 370 e até 650 quilômetros ao redor do território insular de um país. Graças à sua soberania sobre toda uma cadeia de ilhas, ilhotas e rochas do Pacífico (Izu, Ogasawara, Okinotorishima, Minami) situadas até quase 2.000 quilômetros de distância de Tóquio, o Japão tem direitos sobre uma enorme “zona econômica exclusiva” marítima de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, a nona maior do mundo. China, cuja orla é maior que a japonesa, tem somente 880.000 quilômetros quadrados e ocupa a 31ª colocação entre Maldivas e Somália.
Se se observa o mapa que resulta da aplicação da UNCLOS, se comprovará que a China está literalmente aprisionada em sua orla marítima. Como explica o professor australiano Gavan McCormack, essa situação resulta da combinação das zonas marítimas de Filipinas, Estados Unidos (através de seu controle de Guam, Palau, Carolinas e outras ilhas), Japão e Coreia. Este mapa não é somente econômico, mas geopolítico, quer dizer tem um forte componente militar.
Prender o rival
A chave é o crescente cerco militar do qual a China é objeto. O grosso da atenção e o deslocamento militar de Estados Unidos fora do Golfo Pérsico já está instalado no Pacífico Ocidental contra a China. A administração Obama anunciou há pouco que nos próximos anos 60% da marinha de guerra dos EUA se deslocará ao redor da China. Enviarão seis porta-aviões, mais submarinos nucleares, meios antissubmarinos e de guerra eletrônica. Esse movimento inclui escudos antimísseis “contra a Coreia do Norte”, que na realidade estão orientados para anular o modesto arsenal nuclear chinês, o regresso dos bombardeiros estratégicos à base de Guam, e à reconstrução das alianças militares com os países da região, cujo suporte é a aliança militar com o Japão.
Disputar a soberania do grupo de ilhas Diaoyu/Senkaku é para a China a única forma de romper esse bloqueio e dispor de um corredor de saída até águas internacionais. Não é somente uma questão de recursos. Como disse McCormack, “a combinação da propriedade japoneses de amplas zonas oceânicas e sua aliança subalterna com o desenho estratégico dos Estados Unidos para a região, significa uma séria desvantagem e risco para a China”.
A UNCLOS estabelece que as ilhotas e arrecifes incapazes de sustentar população ou vida econômica por si mesmos, não podem ter estatuto de zona econômica exclusiva. É o caso de muitas rochas japonesas. Em Okinotorishima, por exemplo, Tokio mantém literalmente flutuando o arrecife, gastando dinheiro em proteções e barreiras que o mantenham por cima do nível do mar. A discussão histórica é complicada.
Soberania disputada
A alegada soberania japonesa sobre Diaoyu/Senkaku data de 1895, algo posterior à incorporação do arquipélago de Okinawa (Ryukyu). Pero Ryukyu foi durante séculos um reino insular tributário da China e parece que em 1893 a imperatriz chinesa Cixi fez uso de sua soberania numa concessão de três ilhotas do grupo à família de um seus ministros, Sheng Xuanhuai. Em todo caso, que a própria marinha de guerra japonesa siga se referindo a duas das ilhas do grupo por seu nome chinês (“Huangwei” y “Chiwei”) e não pelo japonês (“Kuba” y “Taisho”) é significativo.
Por razões óbvias descritas acima o governo chinês tem mobilizado a sua opinião pública. Considerar que a população chinesa é um mero marionete dos desígnios de seu governo é não entender a China atual. O rancor histórico japonês da opinião pública chinesa é completamente racional desde o ponto de vista da memória da matança de talvez 20 milhões de chineses na guerra mundial na Ásia Oriental, frente à qual o Japão mantém uma atitude manifestamente ambígua. Nas manifestações antijaponeses de Shenzhen se ouviram consignas como, “Abaixo o Exército de Libertação Popular” em reprovação ao fato de Pequim não enviar a marinha de guerra ao lugar. Os governantes chineses têm que permitir de vez em quando que a caldeira da indignação popular chinesa desabafe, que transborda e supera em muito o sempre prudente e pragmático cálculo, porém tiveram que apertar o freio.
Substância inflamável
“A violência não pode ser tolerada unicamente porque o protesto seja contra o Japão, a China vai ter mais conflitos no futuro aos quais precisará responder com os meios adequados para ganhar o respeito de nossos concorrentes”, assinalava um editorial de Global Times, uma publicação chinesa bastante incisiva em temas internacionais. O governo chinês leva anos propondo ao Japão soluções de exploração conjunta dos recursos nos territórios disputados.
O Japão tem litígios insulares com todos os seus vizinhos. Com a Coreia pela ilha de Dokdo/Takeshima e com a Rússia pelas Kuriles, porém é com a China onde há uma substância mais inflamável. No Japão os setores ultras representados pelo governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, têm grande influência e capacidade de mobilização neste assunto. A provocadora ideia de “nacionalizar” as ilhas mediante a compra de algumas delas a seus “proprietarios” japoneses partiu de Ishihara, um negacionista do holocausto chinês e apologista do imperialismo japonês na Ásia.
Quanto à pretensa mediação dos Estados Unidos neste conflito, é pouco crível. Enquanto o secretário de Defesa, Leon Panetta, chama à calma e a evitar uma escalada, Washington afirma com toda clareza sua aliança militar com Tóquio e proclama sua disposição de entrar em conflito militar com a China para apoiar a reclamação japonesa.
*Correspondente de La Vanguardia em Berlim

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