Hans
Christian Andersen foi um dinamarquês que gostava de
contar histórias para grandes e pequenos. Todos conhecem
a história do Patinho Feio. Imagino que ele a inventou
para consolar um menino feio, sem amigos, motivo de
zombaria. Contou também a história de uma menininha que,
numa véspera de Natal, a neve caindo, tentava vender
fósforos numa esquina da cidade. Ninguém parava. Ninguém
comprava. Todos caminhavam apressados para suas casas
onde havia uma lareira acesa, o vinho, a ceia e os
presentes os esperavam. Todos queriam celebrar o
nascimento de Jesus. É uma história triste. De manhã a
menininha estava morta na calçada, gelada pelo frio.
Algumas das histórias de Hans Christian Andersen estão
cheias de humor e ironia, como aquela do rei vaidoso que
gostava de se vestir elegantemente. Vou recontar esta história com dois finais: o dele e o meu.
“Havia um rei muito tolo que adorava roupas bonitas. Os tolos,
geralmente, gostam de roupas bonitas. Pois esse rei
enviava emissários por todo o país com a missão de
comprar roupas diferentes. Era o melhor cliente da Daslu.
Os seus guarda-roupas estavam entulhados com ternos,
sapatos, gravatas de todas as cores e estilos. Eram
tantas as suas roupas que ele estava muito triste porque
seus emissários já não encontravam novidades.
Dois espertalhões ouviram falar do gosto do rei pelas roupas e viram
nisso uma oportunidade de se enriquecerem às custas da
vaidade da Majestade. A vaidade torna bobas as pessoas:
elas passam a acreditar nos elogios dos bajuladores...
Foi isso que aconteceu com um corvo vaidoso que estava
pousado no galho de uma árvore com um queijo na boca:
por acreditar nos elogios da raposa ficou sem queijo...
Pois os dois espertalhões-raposa foram até o palácio real e
anunciaram-se na portaria, apresentando o seu cartão de
visitas: “Doutor Severino e Doutor Valério,
especialistas em tecidos mágicos.”
O rei já havia ouvido falar de tecidos de todos os tipos mas nunca
ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou
que os dois fossem trazidos à sua presença. Diante do
rei fizeram uma profunda barretada, tirando seus
chapéus.
“Falem-me sobre o tecido mágico”, ordenou o rei.
Um dos espertalhões, o mais loquaz, se pôs a falar.
“Majestade, diferente de todos os tecidos comuns, o tecido que nós
tecemos é mágico porque somente as pessoas inteligentes
podem vê-lo. Vestindo um terno feito com esse tecido
Vossa Majestade será cercado apenas por pessoas
inteligentes, pois somente elas o verão...”
O rei ficou encantado e imediatamente contratou os dois espertalhões,
oferecendo-lhes um amplo aposento onde poderiam montar
os seus teares e e tecer o tecido que só os inteligentes
poderiam ver..
Passados alguns dias o rei mandou chamar o ministro da educação e
ordenou-lhe que fosse examinar o tecido. O ministro
dirigiu-se ao aposento onde os tecelões estavam
trabalhando.
“Veja, excelência, a beleza do tecido”, disseram eles com a mãos
estendidas. O ministro da educação não viu coisa alguma
e entrou em pânico. “Meu Deus, eu não vejo o tecido,
logo sou burro...” Resolveu, então, fazer de contas que
era inteligente e começou a elogiar o tecido como sendo
o mais belo que havia visto.
“Majestade”, relatou o minsitro da educação ao rei, “o tecido é
incomparável, maravilhoso. De fato os tecelões são
verdadeiras magos!” O rei ficou muito feliz.
Passados mais dois dias ele convocou o ministro da guerra e ordenou-lhe
que examinasse o tecido. Aconteceu a mesma coisa. Ele
não viu coisa alguma. “ Meu Deus”, ele disse, “ não sou
inteligente. O ministro da educação viu e eu não estou
vendo...” Resolveu adotar a mesma tática do ministro da
educação e fez de contas que estava vendo. O rei ficou
muito feliz com a seu relatório. E assim aconteceu com
todos os outros ministros. Até que o rei resolveu
pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Mas, como os
ministros, ele não viu coisa alguma porque nada havia
para ser visto. Aí ele pensou: “Os ministros da
educação, da guerra, das finanças, da cultura, das
comunicações viram. São inteligentes. Mas eu não vejo
nada! Sou burro. Não posso deixar que eles saibam da
minha burrice porque pode ser que tal conhecimento venha
a desestabilizar o meu governo...” O rei, então,
entregou-se a elogios entusiasmados ao tecido que não
havia.
O cerimonial do palácio determinou então que deveria haver uma grande
festa para que todos vissem o rei em suas novas roupas.
E todos ficaram sabendo que somente os inteligentes as
veriam. A mídia, televisão e jornais, convidaram todos
os cidadãos inteligentes a que comparecessem à
solenidade.
No Dia da Pátria, a cidade engalanada, bandeiras por todos os lados,
bandas de música, as ruas cheias, tocaram os clarins e
ouviu-se uma voz pelos alto-falantes:
“Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a sua inteligência
será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a roupa
que só os inteligentes podem ver.”
Canhões dispararam uma salva de seis tiros. Ruflaram os tambores.
Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido
com a sua roupa nova.
Foi aquele oh! de espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a
roupa do rei! Todos eram inteligentes.
No alto de uma árvore estava encarapitado um menino a quem não haviam
explicado as propriedades mágicas da roupa do rei. Ele
olhou, não viu roupa nenhuma, viu o rei pelado exibindo
sua enorme barriga, suas nádegas murchas e vergonhas
dependuradas. Ficou horrorizado e não se conteve. Deu um
grito que a multidão inteira ouviu:
“O rei está pelado!”
Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. E uma gargalhada mais ruidosa
que a salva de artilharia. Todos gritavam enquanto riam:
“ O rei está nu, o rei está nu...”
O rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos e voltou correndo para
dentro do palácio.
Quanto aos espertalhões, já estavam longe e haviam transferido os
milhões que haviam ganho para um paraíso fiscal...”
Não
foi bem assim que Hans Christian Andersen contou a história. Eu introduzi uns floreados para torná-la mais
atual. Agora vou contar a mesma história com um fim
diferente. Ela é em tudo igual à versão de Andersen, até
o momento do grito do menino.
“O rei está pelado!
Foi
aquele espanto. Um silêncio profundo. Seguido pelo grito
enfurecido da multidão.
“Menino
louco! Menino burro! Não vê a roupa nova do rei! Está
querendo desestabilizar o governo! É um subversivo, a
serviço das elites!”
Com
estas palavras agarraram o menino, colocaram-no numa
camisa de força e o internaram num manicômio.
Moral
da história: Em terra de cego quem tem um olho não é rei.
É doido.