Ampliar e diversificar a base energética do
país
A
base do desenvolvimento e do crescimento é a energia. Por isso, presidentes como
Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e outros dedicaram seus esforços para
aumentar a oferta de energia elétrica – consequentemente, baixando seu custo e
preço com esse aumento da oferta pelo Estado.
O
peculiar no anúncio de terça-feira, da Medida Provisória nº 579, que o ministro
Lobão chamou de “revolução” na energia, é que nada disso existe. Não é um plano
de ampliação da base energética do país – aumento na geração de energia,
desenvolvimento da transmissão ou extensão da distribuição -, apesar da evidente
necessidade de irmos além das usinas hidrelétricas já projetadas. Também não é
um plano para diversificar a matriz energética, aumentando a participação de
outras fontes além da hidrelétrica. E, da mesma forma, não é um plano para
tornar mais eficiente o uso da eletricidade.
Talvez seja porque Getúlio, Juscelino, Jango - ou até Geisel - tinham uma
política industrial e um objetivo claro de crescimento da economia do país. Já o
atual governo, encontra algumas dificuldades nessas questões – e o ministro
Lobão, quanto às revoluções, a julgar pela última que ele apoiou, não tem na
cabeça um bom modelo...
Se o leitor não entendeu ainda do que se trata, fique tranquilo (quer dizer,
mais ou menos). Quase ninguém entendeu, inclusive a maioria dos que se esmeraram
em elogiar a medida. Para nós, também não foi fácil. Como, desde a época dos
tucanos, os regulamentos do setor elétrico parecem escritos em etrusco ou
sumério - exigindo, além disso, altos conhecimentos de Cálculo, Topologia, e,
talvez, Mecânica Quântica – nossos especialistas tentaram fazer um resumo, em
português, da MP nº 579:
1)
Nas
concessões de energia elétrica, terminado o seu prazo, a lei determina a
reversão dos bens vinculados à prestação do serviço para a União.
2)
O que o governo fez foi anunciar a antecipação da prorrogação dos contratos de
geração, transmissão e distribuição de energia que venciam de 2015 a 2017, e a
indenização às empresas por seus investimentos, com pagamento à vista. Assim,
para prorrogar o contrato, elas terão que renegociar as condições que implicam
no preço da energia. A queda nesse preço seria produto dessa indenização (para
que o custo dos investimentos não seja incluído na conta do consumidor), de um
corte nos encargos “setoriais” (fontes de financiamento específicas do setor
elétrico) e de um corte nas tarifas de geração e transmissão.
3)
Os
contratos de geração de energia que vencem entre 2015 e 2017 são 20
(aproximadamente 20% da capacidade de geração do país). A maior parte dessa
geração (97,91%) é realizada por empresas estatais (Grupo Eletrobrás, empresas
estaduais e municipais) – e somente 2,09% por empresas privadas.
4)
Os
contratos de transmissão de energia são nove (67% ca do Sistema
Interligado Nacional – SIN). Todas as empresas são estatais (federais ou
estaduais), com exceção de uma, a CTEEP.
5)
Os
contratos de distribuição de energia elétrica são 44 (35% do mercado)
com término entre 2015 e 2016. É na distribuição que se concentra a maioria das
empresas privadas (geralmente, privatizadas) e externas, embora existam várias
estatais. A MP nº 579 exclui as distribuidoras da reversão de bens à União e não
estabelece condições para a renovação de seus contratos, exceto as condições dos
próprios contratos (v. art. 7º), ao contrário da geração e transmissão. Segundo
o governo, a legislação atual já estabelece um mecanismo de revisão tarifária
para as distribuidoras, além do que seriam procedidas outras revisões, em
caráter extraordinário.
6)
Por
consequência, a maioria das empresas indenizadas à vista serão estatais. Mas a
redução da tarifa final também dependerá, fundamentalmente, de um corte nas
tarifas das estatais de geração e transmissão de energia. As distribuidoras
passaram incólumes, apenas sujeitas à revisão tarifária, mas sem exigência de
condições para a prorrogação. Foi essa diferença de tratamento que a diretoria
da CEMIG chamou “falta de isonomia”, ameaçando recorrer à Justiça.
Resumindo o resumo:
Para que os preços da energia caiam, o governo indenizou os investimentos das
geradoras que pertencem a ele mesmo (para que o pagamento desses investimentos
não aumente a “tarifa média de geração”) e das transmissoras de energia, que,
com uma exceção, pertencem também a ele mesmo (para diminuir a Receita Anual
Permitida das transmissoras, com a eliminação do pagamento dos investimentos).
O
governo não mexeu nos impostos sobre a energia (PIS/Cofins e ICMS, que é
estadual), mas acabou com dois tributos que financiavam a expansão do sistema
elétrico – a Reserva Global de Reversão (RGR) foi extinta para as
distribuidoras e a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC). Outro
tributo foi reduzido em 75%: a Conta de Desenvolvimento Energética (CDE).
Além disso, o governo aportará um montante de R$ 3,3 bilhões anuais do Tesouro,
pois, com a extinção da RGR, da CCC e, parcialmente, da CDE, programas como o
Luz para Todos e a Tarifa Social ficaram sem verba, pois as empresas deixaram de
contribuir com esses fundos.
Depois dessa ginástica toda, que faria inveja ao professor Oswaldo Diniz
Magalhães (aquele que tem estátua na Praça Saenz Peña, lá na Tijuca), forçoso é
reconhecer que as distribuidoras saíram por cima – praticamente toda a queda nas
tarifas de energia será à custa do setor estatal.
O
preço extorsivo da energia, tem razão a presidente Dilma, é uma consequência
direta daquela privatização tucana que acabou no apagão. Esse preço extorsivo,
realmente, é um obstáculo para o nosso crescimento. Mas, se é assim, por que
reforçar, exatamente, o lado privatizado do setor? É preciso acabar com as
desgraças daquela época, a começar por esse “mercado livre” que é especulação
clandestina (ninguém sabe os valores negociados), mas influencia sempre as
estrambólicas fórmulas da Aneel para o “mercado cativo”, pois é óbvio que os
preços deste têm que ser ainda mais altos que naquele, para que a negociata com
a energia prossiga, ao arrepio do desenvolvimento e da segurança nacional.
A
ideia de que o mercado vai resolver nossos problemas de energia é tão absurda
que já estava fora de moda na época de Wenceslau Braz – mais ainda hoje, quando
há monopólios ferozes que tornam esse “mercado” uma ficção, que seria uma
palhaçada, se não fosse um golpe contra o país.
No entanto, o que se anunciou na terça-feira foi exatamente outra tentativa
pseudo-mercadista desse tipo, às custas do Estado. Quanto a ampliar o sistema
energético para nos possibilitar maior crescimento em pouco tempo, nem palavra
nem vírgula.
O
presidente da Eletrobrás declarou que não foi consultado a respeito dessa MP – o
que é interessante, pois o ministro Lobão declarou que desde 2008 está
coordenando um grupo formado, além dele, pela Casa Civil, pela Empresa de
Pesquisa Energética (EPE), pela Aneel e pelos Ministérios da Fazenda, do
Planejamento e do Desenvolvimento, com a participação de “doze associações
representantes dos agentes setoriais e dos consumidores de energia elétrica”.
Por que será que não sobrou lugar para a Eletrobrás? Por que o governo gastou
dinheiro contratando uma empresa de consultoria, a PSR, para “formatar” a MP?
Será porque a Eletrobrás era a vítima?
CARLOS LOPES
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