sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Energia: o Brasil precisa se livrar da privatização tucana

Ampliar e diversificar a base energética do país
A base do desenvolvimento e do crescimento é a energia. Por isso, presidentes como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e outros dedicaram seus esforços para aumentar a oferta de energia elétrica – consequentemente, baixando seu custo e preço com esse aumento da oferta pelo Estado.
O peculiar no anúncio de terça-feira, da Medida Provisória nº 579, que o ministro Lobão chamou de “revolução” na energia, é que nada disso existe. Não é um plano de ampliação da base energética do país – aumento na geração de energia, desenvolvimento da transmissão ou extensão da distribuição -, apesar da evidente necessidade de irmos além das usinas hidrelétricas já projetadas. Também não é um plano para diversificar a matriz energética, aumentando a participação de outras fontes além da hidrelétrica. E, da mesma forma, não é um plano para tornar mais eficiente o uso da eletricidade.
Talvez seja porque Getúlio, Juscelino, Jango - ou até Geisel - tinham uma política industrial e um objetivo claro de crescimento da economia do país. Já o atual governo, encontra algumas dificuldades nessas questões – e o ministro Lobão, quanto às revoluções, a julgar pela última que ele apoiou, não tem na cabeça um bom modelo...
Se o leitor não entendeu ainda do que se trata, fique tranquilo (quer dizer, mais ou menos). Quase ninguém entendeu, inclusive a maioria dos que se esmeraram em elogiar a medida. Para nós, também não foi fácil. Como, desde a época dos tucanos, os regulamentos do setor elétrico parecem escritos em etrusco ou sumério - exigindo, além disso, altos conhecimentos de Cálculo, Topologia, e, talvez, Mecânica Quântica – nossos especialistas tentaram fazer um resumo, em português, da MP nº 579:
1) Nas concessões de energia elétrica, terminado o seu prazo, a lei determina a reversão dos bens vinculados à prestação do serviço para a União.
2) O que o governo fez foi anunciar a antecipação da prorrogação dos contratos de geração, transmissão e distribuição de energia que venciam de 2015 a 2017, e a indenização às empresas por seus investimentos, com pagamento à vista. Assim, para prorrogar o contrato, elas terão que renegociar as condições que implicam no preço da energia. A queda nesse preço seria produto dessa indenização (para que o custo dos investimentos não seja incluído na conta do consumidor), de um corte nos encargos “setoriais” (fontes de financiamento específicas do setor elétrico) e de um corte nas tarifas de geração e transmissão.
3) Os contratos de geração de energia que vencem entre 2015 e 2017 são 20 (aproximadamente 20% da capacidade de geração do país). A maior parte dessa geração (97,91%) é realizada por empresas estatais (Grupo Eletrobrás, empresas estaduais e municipais) – e somente 2,09% por empresas privadas.
4) Os contratos de transmissão de energia são nove (67%  ca do Sistema Interligado Nacional – SIN). Todas as empresas são estatais (federais ou estaduais), com exceção de uma, a CTEEP.
5) Os contratos de distribuição de energia elétrica são  44 (35% do mercado) com término entre 2015 e 2016. É na distribuição que se concentra a maioria das empresas privadas (geralmente, privatizadas) e externas, embora existam várias estatais. A MP nº 579 exclui as distribuidoras da reversão de bens à União e não estabelece condições para a renovação de seus contratos, exceto as condições dos próprios contratos (v. art. 7º), ao contrário da geração e transmissão. Segundo o governo, a legislação atual já estabelece um mecanismo de revisão tarifária para as distribuidoras, além do que seriam procedidas outras revisões, em caráter extraordinário.
6) Por consequência, a maioria das empresas indenizadas à vista serão estatais. Mas a redução da tarifa final também dependerá, fundamentalmente, de um corte nas tarifas das estatais de geração e transmissão de energia. As distribuidoras passaram incólumes, apenas sujeitas à revisão tarifária, mas sem exigência de condições para a prorrogação. Foi essa diferença de tratamento que a diretoria da CEMIG chamou “falta de isonomia”, ameaçando recorrer à Justiça.
Resumindo o resumo:
Para que os preços da energia caiam, o governo indenizou os investimentos das geradoras que pertencem a ele mesmo (para que o pagamento desses investimentos não aumente a “tarifa média de geração”) e das transmissoras de energia, que, com uma exceção, pertencem também a ele mesmo (para diminuir a Receita Anual Permitida das transmissoras, com a eliminação do pagamento dos investimentos).
O governo não mexeu nos impostos sobre a energia (PIS/Cofins e ICMS, que é estadual), mas acabou com dois tributos que financiavam a expansão do sistema elétrico – a Reserva Global de Reversão (RGR) foi extinta para as distribuidoras e a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC). Outro tributo foi reduzido em 75%: a Conta de Desenvolvimento Energética (CDE).
Além disso, o governo aportará um montante de R$ 3,3 bilhões anuais do Tesouro, pois, com a extinção da RGR, da CCC e, parcialmente, da CDE, programas como o Luz para Todos e a Tarifa Social ficaram sem verba, pois as empresas deixaram de contribuir com esses fundos.
Depois dessa ginástica toda, que faria inveja ao professor Oswaldo Diniz Magalhães (aquele que tem estátua na Praça Saenz Peña, lá na Tijuca), forçoso é reconhecer que as distribuidoras saíram por cima – praticamente toda a queda nas tarifas de energia será à custa do setor estatal.
O preço extorsivo da energia, tem razão a presidente Dilma, é uma consequência direta daquela privatização tucana que acabou no apagão. Esse preço extorsivo, realmente, é um obstáculo para o nosso crescimento. Mas, se é assim, por que reforçar, exatamente, o lado privatizado do setor? É preciso acabar com as desgraças daquela época, a começar por esse “mercado livre” que é especulação clandestina (ninguém sabe os valores negociados), mas influencia sempre as estrambólicas fórmulas da Aneel para o “mercado cativo”, pois é óbvio que os preços deste têm que ser ainda mais altos que naquele, para que a negociata com a energia prossiga, ao arrepio do desenvolvimento e da segurança nacional.
A ideia de que o mercado vai resolver nossos problemas de energia é tão absurda que já estava fora de moda na época de Wenceslau Braz – mais ainda hoje, quando há monopólios ferozes que tornam esse “mercado” uma ficção, que seria uma palhaçada, se não fosse um golpe contra o país.
No entanto, o que se anunciou na terça-feira foi exatamente outra tentativa pseudo-mercadista desse tipo, às custas do Estado. Quanto a ampliar o sistema energético para nos possibilitar maior crescimento em pouco tempo, nem palavra nem vírgula.
O presidente da Eletrobrás declarou que não foi consultado a respeito dessa MP – o que é interessante, pois o ministro Lobão declarou que desde 2008 está coordenando um grupo formado, além dele, pela Casa Civil, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), pela Aneel e pelos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento, com a participação de “doze associações representantes dos agentes setoriais e dos consumidores de energia elétrica”. Por que será que não sobrou lugar para a Eletrobrás? Por que o governo gastou dinheiro contratando uma empresa de consultoria, a PSR, para “formatar” a MP? Será porque a Eletrobrás era a vítima?
CARLOS LOPES

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